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Amostras antigas de milho em cavernas brasileiras sugerem que a domesticação da cultura pode ter sido concluída na América do Sul
Cientistas brasileiros determinaram que espécimes antigos de milho parcialmente domesticado (Zea mays, também conhecido como milho) originários do Vale do Peruaçu, em Minas Gerais (Brasil), eram os mais distantes do México...
Por André Julião, FAPESP - 02/12/2024


Caracterização morfológica de uma amostra de teosinto no Museu Peabody de Arqueologia e Etnologia da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Crédito: Flaviane Malaquias Costa


Cientistas brasileiros determinaram que espécimes antigos de milho parcialmente domesticado (Zea mays, também conhecido como milho) originários do Vale do Peruaçu, em Minas Gerais (Brasil), eram os mais distantes do México, centro histórico de origem da planta, entre todos os achados feitos até agora.

Um artigo descrevendo sua pesquisa foi publicado no periódico Science Advances . O estudo foi liderado por pesquisadores afiliados à Universidade de São Paulo (USP) e à EMBRAPA, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.

As descobertas reforçam a teoria, baseada em evidências genéticas de plantas vivas atualmente, de que a domesticação do milho também pode ter sido concluída na América do Sul, conforme proposto em um artigo publicado em 2018 na revista Science .

As amostras de milho parcialmente domesticado analisadas no estudo incluem espigas, palha e grãos de escavações realizadas no Vale do Peruaçu em 1994 por arqueólogos vinculados à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

"Essas amostras foram inicialmente consideradas espécimes de milho domesticado que não cresceram o suficiente. No entanto, à luz de evidências genéticas de que o processo final de domesticação pode ter ocorrido na América do Sul, analisamos o material novamente e encontramos várias características compartilhadas com a planta ancestral da qual o milho se originou no México há 9.000 anos e que chegou ao sudoeste da Amazônia há 6.000 anos", disse Flaviane Malaquias Costa, primeira autora do artigo da Science Advances , que relata um estudo realizado enquanto ela era doutoranda e pesquisadora de pós-doutorado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP).

O Vale do Peruaçu fica a cerca de 7.150 km do México. A distância do país norte-americano até o sudoeste da Amazônia, onde hoje estão os estados brasileiros de Rondônia e Acre, é de cerca de 2.300 km. As amostras são as mais distantes do centro de origem da planta já encontradas com características primitivas.

Embora evidências arqueológicas apontem para a presença de populações humanas no Vale do Peruaçu entre 10.000 e 9.000 anos atrás, o milho parece ter chegado à região há apenas 1.500 anos. As amostras semidomesticadas encontradas lá foram datadas entre 1.010 e 500 anos atrás, um período amplamente anterior à chegada dos europeus na América do Sul.

"Isso mostra a importância das comunidades indígenas do passado na seleção, manejo e fixação de características que deram origem às atuais raças de milho sul-americanas [variedades locais]. Seus descendentes continuam fazendo isso até hoje, contribuindo para a manutenção de nossos recursos genéticos", disse Fábio de Oliveira Freitas, penúltimo autor do artigo e pesquisador da EMBRAPA Recursos Genéticos e Biotecnologia em Brasília.

Ao analisar os exemplares encontrados em cavernas do Vale do Peruaçu, os pesquisadores conseguiram identificar que eles eram parentes próximos da raça Entrelaçado, presente em Rondônia e no Acre.

"Essa é uma das raças que se originou na América do Sul por meio da seleção de outras populações. Encontramos variedades existentes dela durante nosso projeto de pesquisa em vários locais do Brasil e Uruguai", disse Elizabeth Ann Veasey, coautora do artigo e professora da ESALQ-USP. Ela foi orientadora de tese de doutorado de Costa e pesquisadora principal de um projeto sobre domesticação do milho.

Exemplares arqueológicos de milho semidomesticado foram encontrados em cestos enterrados em cavernas no Vale do Peruaçu. Crédito: Fábio de Oliveira Freitas

Linhas ancestrais

Para distinguir entre espécimes domesticados e semidomesticados, os pesquisadores analisaram uma série de características morfológicas que ajudaram a determinar sua distância da planta selvagem, conhecida como teosinto.

Uma dessas características marcantes é o número de fileiras de grãos, sendo que menos de oito são consideradas típicas do teosinto primitivo, uma gramínea selvagem nativa do México e domesticada pela primeira vez há cerca de 9.000 anos.

As raças modernas de milho cultivadas em áreas de planície da América do Sul têm entre oito e 26 fileiras por espiga, enquanto as amostras arqueológicas do Vale do Peruaçu têm entre quatro e seis fileiras. Os pesquisadores analisaram 296 amostras, incluindo sabugos, palha e grãos.

"Viajamos do passado remoto ao presente, dos vestígios arqueológicos às raças e variedades existentes que ainda estão sendo diversificadas pelos povos tradicionais, que são os protagonistas desta história", disse Costa.

As amostras agora estão sendo submetidas à análise arqueogenética por parceiros estrangeiros usando técnicas de ponta, que, se bem-sucedidas, poderão sequenciar todo o genoma do milho encontrado no Vale do Peruaçu e determinar sua árvore filogenética com precisão.

O Vale do Peruaçu tem algumas das poucas cavernas do mundo com pinturas rupestres de plantações. Além de ser retratado nas paredes da caverna, milho foi encontrado em cestos enterrados, provavelmente como uma oferenda aos mortos enterrados ali.

A descoberta também tem implicações geopolíticas. Uma vez estabelecido que a domesticação das raças de milho foi concluída no Brasil, esses recursos genéticos não podem mais ser considerados exóticos, exigindo esforços de conservação e negociação de direitos de propriedade em tratados internacionais.


Mais informações: Descobertas arqueológicas mostram a extensão das características primitivas do milho na América do Sul, Science Advances (2024). DOI: 10.1126/sciadv.adn1466 . www.science.org/doi/10.1126/sciadv.adn1466

Informações do periódico: Science Advances , Science 

 

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